quinta-feira, 5 de novembro de 2015

MI GENERAL - Conto de Sergio Medeiros Rodrigues (Porto Alegre, RS)

MI GENERAL (à Cândida Rodrigues)

Suados, cansados, enfim chegamos.

Era um prédio antigo, bem mais de dois séculos, mas ainda imponente e bem conservado.

Bem destacado à frente, em bronze antigo, se destacava uma placa, anunciando em tom solene “ Memorial ao General dos Pampas Oscar Rodrigues”.

Meio atabalhoados e ansiosos, nós, eu e minha tia, junto com os demais idosos turistas saímos do pequeno ônibus, sedentos por água fresca e ar puro, e  nos atiramos no primeiro bar que vimos.

Mas, nem bem começávamos a nos refazer das mais de duas horas de viagem, sob um calor seco,  que o velho ar condicionado da relíquia chamada ônibus, não conseguia vencer, e, sem dó nem piedade, porque o tempo era curto e  havia outra excursão que sairia para Porto Alegre à noite,  já nos colocaram em marcha em direção a grande  aventura do dia.

Em fila indiana, entramos no prédio.

E assim, neste ritmo, prosseguia a excursão.

Era um dia quente de primavera,

O SILÊNCIO DE AURORA - Conto de Marga Cendón (Uruguaiana, RS)

O SILÊNCIO DE AURORA 

Sentada no peitoril da janela, espiava o movimento da rua. Da cozinha vinha o burburinho de louças, panelas, algumas risadas. E o tempo se preparando para desabar.  Com o coração aos pulos, ela suplicava por um milagre. Como contar que não haveria casamento? Preferia morrer esturricada por um raio. Se o pai fosse vivo, é certo que a confortaria, mas a mãe, capaz de não sobreviver ao desgosto. 

Quando alguém tocava no assunto da festa, era como se metessem o dedo numa ferida aberta: ela tremia e enxugava o suor da testa com as costas da mão. Ninguém percebia seu desespero.

De repente ouviu a mãe gritar:

–Justino, Leozinho! Está na hora do trem! Vão lá pra estação ajudar seu Eurico com as malas.  

Viu as cabeças dos dois irmãos passarem rente ao muro em direção à estação e teve vontade de dizer que não fossem. Eurico não vinha.

Sua desgraça começara logo pela manhã ao buscar o vestido de noiva na costureira...

–Aurora, teu vestido ficou uma beleza, mas preciso te contar uma coisa. 

–Fale, dona Marietinha.

–Teu noivo, o Eurico, vai se casar amanhã. Com outra.

–Que é isso! De onde a senhora tirou uma coisa dessas?

–Olha, minha filha, Deus sabe que eu não queria te dar esta notícia, mas é a pura verdade. E já tem tempo que eu sei, me faltou foi coragem.  

–Não é possível! Amanhã é o meu casamento. Ele chega hoje no trem das seis.

–É uma professora de Cruz Alta, menina! Gente de dinheiro! Foi a Donga que fez o vestido. E ficou tão horrorizada que roubou este retrato pra te mostrar. Lê o que está escrito e vê se reconhece a letra.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O PROFETA - Conto de Paulo Ras (Paranaguá, PR)

O PROFETA

Ei, moça! Há dias tenho a sensação do teu corpo nu desabado no chão, braços abertos, crucificada lânguida. Tua boca semiaberta gemendo impropérios e abominações, enquanto eu, verdugo insensível, chicoteio, impiedoso, cada nesga alva da tua bunda. Mas, quando abro os olhos, suor escorrendo, corpo teso, olho ao redor e há apenas o pequeno tapete intocado no piso, os sapatos guardado em um canto. Nada do teu corpo em lascivos pedidos silenciadores.


E aí moça, o que acha? Premonição? Sexto sentido?

domingo, 1 de novembro de 2015

O SONHO - Conto de Cícero Silveira Christino (Alegrete, RS)

O SONHO

Dormia apenas por dormir, assim como na natureza. Sonhava com inúmeras coisas ao mesmo tempo. Me era um sono prazeroso, tanto quanto o é comer por conta do paladar sem que a fome sequer esteja acerca, ou beber água de sanga para simplesmente sentir-se mais próximo do ventre terreno. Revirava-me sozinho na cama de casal sem ter noção das horas.

Os sonhos são, sem dúvida, muito mais do que se imagina. Sonhamos com amigos que há muito não vemos, e no dia seguinte lá estão eles, telefonando, ou passando por nossas vidas. Se não me engana a memória, sonhava com uma paisagem pitoresca, pastoril, com suaves manifestações psicodélicas que deixavam-na surreal, como todo o sonho tem a obrigação de ser. Rostos conhecidos, rostos esquecidos, mudanças rigorosas de cenário e de percepção de tempo e espaço. Nada de aflições pesadelares ou desprazeres inúteis. Apenas o momento acariciando a mente.

Entretanto, uma voz sutil esbarrou em meus ouvidos de maneira tão suave que me despertou a consciência sem que meus músculos acordassem. Repetiu, sussurrando, duas vezes meu nome. Era como se fosse o vento relatando a leveza de meu sono à solidão a qual o acompanha fielmente. Situação esta a qual me levou a recordar de outra passada, há bastante tempo, em que também acordei antes de meu corpo físico. Entre lembranças e devaneios percebi que podia enxergar mesmo que estivesse impossibilitado de erguer as pálpebras, o que é bem delicado de se tentar explicar, portanto, não irei me aprofundar. Eu via meu