EM TROCA
Um solzinho invernoso mal aquecia o interior
do carro naquela manhã gelada. Foi quando a vi, uma figura apressada e frágil,
de ombros arqueados. Parecia mais um risco desenhado contra a luz filtrada por entre
as árvores do estacionamento. Atravessou
o pátio e foi em direção a porta principal. Segurava o estômago com uma das
mãos e disfarçava o gesto com a bolsa que levava a tiracolo.
Quase na entrada
do prédio, gesticulou como quem organiza a fala e se convence de que está
pronta para qualquer confronto, mas, se alguém a observasse melhor veria que
estava visivelmente abalada. Fiquei imaginando a luta interior e que narrativa
a traria ali.
Determinada, foi
na direção dos corredores laterais, desviando de um e de outro sem olhar nos
olhos dos passantes, não queria distrair-se, pensei, nada deveria interromper o
ritmo de seus argumentos, nem fazê-la perder tempo. Engolia com esforço, e na
boca seca só aquela eterna ardência que subia e descia sem lhe dar trégua, como
o rastro queimado das palavras não ditas. Dobrou mais um corredor, avistou a
placa indicativa e um leve tremor a percorreu. Quis voltar, mas apenas diminuiu
o andar e, para disfarçar a indecisão, olhou o relógio. Em cima da hora.
Dirigiu-se ao balcão e entregou a carteirinha de controle. Ao ultrapassar a
porta, leu o painel de informações como se alguém pudesse se perder depois de
já ter passado por aqueles caminhos. Preparou-se. Como das outras e de tantas
outras vezes, o médico veio ao seu encontro e ela, exaurida, sem nenhuma
palavra, foi.
Do lado de fora,
no estacionamento do