sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

DA IMPRENSA - Crônica de Marcelo Meira (Rio de Janeiro, RJ)

DA IMPRENSA  


Deveras não é simples o debate do tema e nem pretendo me arvorar na condição de certeiro apreciador da questão, mas apenas expressar uma opinião como qualquer um do povo.  Na vida tudo tem limites e nada no mundo da nossa realidade cognitiva é infinito, a não ser nosso desconhecimento do que seja o próprio infinito. Assim, podemos dizer que a imprensa constitucionalmente livre é necessária, mas não sem limites, como tudo na vida costuma ter. Constitucionalmente livre apesar de nem todos poderem avaliá-la em toda a sua pretensão (dela). Muitas vezes ela não está a difundir a opinião livre, mas produzindo a opinião nos rumos em que investe. A imprensa em todas as suas conotações há que não ser partidária radicalmente, como acontece de ser, modificando a verdade, imputando ideologias e defendendo políticas de partidos em consonância com interesses também financeiros. Muitas vezes esconde a verdade ou a transforma. E quando quer ou precisa, como "negócio" que não deixa de ser, dispara sua artilharia pretendendo alcançar a independência interior de um segmento populacional. Basta uma semana de bombardeio prejulgado para trazer à tona o "espetáculo",  que é o que vende. Desde então, reputações inteiras ou ideias podem ser destruídas por completo. Como não regulamentar isso? É comum nos noticiários nacionais a colocação do termo "suposto", para que se eximam da responsabilidade. Mas também é de fácil suposição que a notícia se pressupõe na cabeça dos leitores e aí o prejuízo já está causado. Nos EUA ocorre, em vários casos, de não ser o réu fotografado em suas idas ao júri criminal, sendo permitido o desenho gráfico das pessoas envolvidas como cautela para uma possível absolvição. Essa expressão "regulamentar", a qual gera uma pseudo fobia aos mercadores de ideias ou até mesmo aos

SAMBA PRA MINHA ESPERANÇA - Crônica de Valéria Surreaux (Uruguaiana, RS)

SAMBA PRA MINHA ESPERANÇA

Segunda-feira chuvosa em Porto Alegre. Acordei dentro de um cinza chumbo, levei os filhos ao colégio, voltei pra dar uma ordem na casa, sem saber por onde começar, as horas corriam. Almoço, filho no oftalmologista, a chuva seguia... Três da tarde, olho no relógio aflita, trânsito trancado. Minha amiga Bárbara e eu, estamos em cima do laço, preparando a Noite da Palavra, um projeto bonito, com poemas no varal, atrizes lendo textos de escritores, shows...

A chuva no para-brisa me dando angústia, ainda tinha que voltar pra casa a tempo de passar roupas, a louça toda do dia anterior ainda estava suja na pia. O filho menor querendo um técnico para o computador que estragou e o tempo voando. Entramos juntas no asilo Padre Cacique, cheguei a comentar que não era o dia ideal para irmos a um lugar triste, mas a Bárbara não queria nem saber, não havia mais tempo, teríamos nessa tarde, que falar com um pessoal da melhor idade, que faz uma roda de samba segundas-feiras ali.  Entramos. Cheiro de hospital. Alguns velhos pelo pátio, a chuva não colaborando em nada.  Estão lá embaixo no porão- diz a moça.  No porão, penso eu, meio deprimente o local. Descemos e, de repente, um samba zuniu pelas frestas da porta. Fomos recepcionados pelo seu Luiz e seu melhor sorriso, pedindo que passássemos com um gesto largo do braço. Em segundos esqueci que estava num porão, num asilo, esqueci que era segunda –feira e que chovia. Lá dentro, treze pessoas faziam o melhor samba de raiz, com cabelos brancos, firmes no cavaquinho, viola gemendo, cuíca e bandolim. Ali não existiam velhos, tinha suingue, ziringuidum, balacobaco...  Os olhos de todos sorriam, o samba contagiava. Fez-se madrugada naquela

DE GALOCHA E CARTEIRINHA - Crônica de Marga Cendón (Uruguaiana, RS)

DE GALOCHA E CARTEIRINHA

É fácil identificar um chato. Como? Simples: Pelo comportamento constante. É sempre o bom, o justo, o dono da verdade. O que conhece as pessoas mais importantes e fala nelas com um arzinho de desdém, como se todas as celebridades comessem na sua mão. Ele finge estar prestando atenção na conversa, mas assim que toma a palavra, não solta até o último bocejo do interlocutor. Qualquer fato mencionado já aconteceu com ele ou com algum amigo dele que ninguém conhece. E, lógico, ele corta a história do outro para contar a sua. E nos mínimos detalhes. Porque todo chato é prolixo. Outra peculiaridade, é sempre se colocar como exemplo para ilustras suas longas narrativas. Com autoestima elevadíssima, é um apaixonado por si mesmo e faz absoluta questão de deixar isso muito claro. “Primeiro ele, segundo ele, terceiro ele”. O resto do mundo vem depois.

Não tente comentar com o chato sobre algum lugar que você queira muito conhecer. Ele já foi. E se não foi,
o lugar é brega ou mal frequentado. Basta alguém dizer que comprou um equipamento novo, seja lá o que for, ele logo desvaloriza para enaltecer o próprio equipamento. Sim, porque ele tem ou já teve um do mesmo tipo, porém, muito melhor.

O chato que se preza é também um especialista em conselhos. Daqueles que a gente não pede, mas por fragilidade acaba ouvindo. E como grande conhecedor da alma humana, ele fala com propriedade sobre o que é melhor para a vida dos outros. Decide quando e como as coisas devem ser feitas e não aceita ser contrariado. Quando algo dá errado, ele diz: “eu avisei, não quis me

CARTA A MEU PAI - Crônica de Vera Ione Molina Silva (Uruguaiana, RS)

CARTA A MEU PAI

Os mugidos cessavam de me assombrar quando a Radio El Mundo entrava em la noche. Os Love is a many splendored thing, Embraceable you, Perfidia, Cheek to cheek, The man I love me fascinavam no escuro do quarto rústico de onde eu ouvia compridos suspiros que hoje me parecem de amores perdidos na curta juventude.

Aprendi a gostar de música boa, música de pessoas apaixonadas sem saber se por alguém, algo, tudo, todos.

Tu eras assim, ensinavas coisas grandiosas sem as conhecer. Despertar o bom gosto musical não foi a única coisa, embora isso, a meu ver, tenha sido muito.

Tinhas o estranho-louco hábito de recolher cenas emocionantes de filmes, de livros, da vida. Depois as contavas para mim, o que me viciou em colecioná-las também e, além disso, e mais grave, ensinou-me a pensar através de cenas, legando-me o temível pensamento fragmentado.

Tu me ensinaste a contar histórias nessa ânsia de partilhar com os outros os pequenos contos que a vida nos entrega prontos para o papel. Me deixaste a triste-louca mania de criar mundos alternativos e lembrar ações comoventes ou espetaculares.

Contavas que Saint Exupéry, o autor de O pequeno príncipe que, como tu, gostava de pilotar aviões, em visita à Argentina convidou a moça de mais rara beleza para ir conversar perto das estrelas.

Eras estudante e te aproximaste de uma jovem que caminhava pelas ruas de Porto Alegre. Como é teu nome? Melanie Klein. Acompanhaste-a até a porta de casa e aguardaste alguns minutos ansiando por revê-la. Foste surpreendido

O LEITOR - Crônica de Gustavo Ventura Gomes (Porto Alegre, RS)

O LEITOR

Saí para o lanche as 17 hrs de uma tarde ensolarada, antecipada no horário de verão. A brisa incessante provocava um frescor suave. Mesmo assim, movimentava as plantas do entorno, num farfalhar digno de orquestra. O verão chegará logo. Fiz a opção mais comum para o lanche. Com dois envelopes de ‘clube social’ trazidos de casa, atravessei até o outro lado do shopping e pedi o de sempre, um expresso na Praver. Voltei e fui ao refeitório dos funcionários no subsolo, junto a garagem. Lá há uma boa mesa, microondas e pia. Também uma boa janela, que nos serve um pouco de jardim e um canto de céu. A opção incomum é caminhar uma quadra e sentar-se na padaria Bassani para comer uma fatia de marta-rocha ou um pedaço de batata doce assada na hora com um “cortado” servidos no balcão.

Ainda atravessando o shopping, indo buscar o tal café, vejo sentado na mesa externa da loja de chocolates, um senhor bem velho, magro e muito alto, com sua bengala sustentando suas duas mãos, uma sobre a outra, em posição de escuta, imóvel, com a atenção ao que lhe era lido pelo outro homem ao seu lado. Presto atenção e penso ser o pai do Fábio, amigo fotógrafo, que foi muito amigo da Ventura Livros. Quando volto com o café para descer as escadas que me levarão ao refeitório, caminho mais pausadamente, equilibrando o café quente. Chego a pensar em me fazer lembrar, afinal era seu Luigi del Re, que tantas vezes frequentou a livraria no tempo da Andradas, no número 1332. É fácil recordar o Fábio apresentando seu pai que depois virou frequentador da livraria. Homem alto e de passos rápidos,

ISABELA E SOFIA - Conto de Gilka Coimbra (Uruguaiana, RS)

ISABELA E SOFIA

Entrou e chamou pela mãe. Não obteve resposta. Deve estar na cozinha preparando o jantar, pensou Isabela, afinal sempre passou a maior parte do tempo por lá. Parou logo na entrada, esperando ser recebida. Olhou ao redor e escutou o silêncio da casa equivalente ao tempo em que esteve fora. Andou mais um pouco e avistou o corredor que conduzia aos quartos. Abria as portas e os sussurros e risos das brincadeiras passadas libertavam imagens da infância e da adolescência.

No aposento dos irmãos, sentiu saudades da afinidade e da proteção deles. Curiosa remexeu nas gavetas, desfrutando do isolamento e do espaço a sua disposição. Queria invadir a privacidade masculina, o que sempre lhe fora negado – único motivo de arruaça entre eles e ela. Como irmã menor a curiosidade pelo quarto dos irmãos nunca fora saciada.

Revirou as gavetas. Encontrou a caixinha com as bolas de gude, um estilingue, alguns carrinhos descascados, o uniforme do time da escola, fotografias de ex-namoradas e algumas revistas pornográficas. Folhou-as sem maior interesse.

Continuando sua excursão pela casa materna, permaneceu imóvel em frente à porta do próprio quarto, aquele que a abrigara durante a maior parte da vida. Quando entrou, o tempo olhou para trás. A cama de solteira mantinha a colcha bordada pela avó, na pequena cômoda o porta-joias de louça continha velhas bijuterias em desuso, o vasinho de cristal com as flores de tecido desbotadas pareciam esquecidas. Nas